FICÇÃO
- Agradeço ter aceitado o convite para este repasto-entrevista, doutor Ramos-Horta.
- O prazer é meu.
. O doutor Ramos-Horta iniciou-se nas lides jornalísticas ainda jovem em Timor, escrevia num jornal local, enviava correspondência para a RTP e para o Expresso. Por que não seguiu a profissão de jornalista?
- Boa questão, meu amigo. Aconteceu que se deu o 25 de Abril em Portugal e tudo mudou nas colónias. Quando as mudanças políticas chegaram a Timor os meus amigos formaram partidos políticos e eu achei-me na obrigação, também, de ser participante no processo e fundei a ASDT, Associação Social Democrata de Timor...
- Mas, esse seu partido deu lugar ou uniu-se à criação da Fretilin, não?
- Sim, e eu passei a ter um lugar de topo para a diplomacia no âmago da Fretilin.
- Mas, a Fretilin não teve várias facções, inclusivamente uma comunista, o que o senhor doutor me parece que nunca foi?
- Teve várias tendência, até alguns fulanos ligados à Indonésia. Eu sempre defendi fundamentalmente a independência de Timor-Leste e os direitos humanos do nosso povo.
- No entanto, quando a Indonésia invadiu Timor, o doutor Ramos-Horta conseguiu não ser morto e sair para Moçambique, certo?
- Eu e outros camaradas, porque era muito importante que a resistência que foi para o mato tivesse um apoio inquebrantável no exterior.
- Antes disso assistimos a uma guerra civil que nunca ninguém percebeu bem?
- A guerra civil foi um erro histórico, éramos todos amigos, conhecidos, alguns até familiares nas duas barricadas... um caso para esquecer.
- O doutor ainda joga ténis?
- Não, a idade não perdoa... agora divirto-me com o meu Mini-Moke...
- A dada altura damos com o doutor Ramos- Horta em Nova Iorque a defender a independência de Timor, mas constou-me que o senhor nos Estados Unidos da América passou as maiores dificuldades, incluindo dormir num pequeno quarto e sem dinheiro para comer...
- Você não está errado!
- Então, onde estava a solidariedade internacional, nomeadamente de Portugal?
- Não existia. Apenas Moçambique nos apoiou e quanto a Portugal muito haveria a dizer...
- Por exemplo, que na visita do ministro Almeida Santos a Jacarta houve uma concordância para a ocupação indonésia...
- É o que me disseram, não posso provar.
- Mas, houve contrapartidas financeiras muito elevadas da Indonésia a Portugal...
- Palavras suas, a verdade é que nem os governadores de Macau me recebiam...
- Acha que a sua luta diplomática em Nova Iorque e por vários países foi decisiva?
- Penso ter contribuído para que a pouco e pouco as coisas fossem mudando e o meu amigo Bill Clinton deu uma grande ajuda para que a Indonésia saísse de Timor-Leste.
- Quando se deu a cerimónia de restauração da Independência, o doutor Ramos- Horta fazia ideia dos cargos que poderia vir a ocupar?
- Nunca me passou pela cabeça... aceitei a muito custo ser ministro dos Negócios Estrangeiros, apenas pelos contactos diplomáticos que tive durante anos.
- Há um caso muito sério, que não posso de deixar de lhe colocar. O doutor Ramos-Horta sofreu um atentado em Timor-Leste quando já eram independentes. Como é que se pode querer aniquilar um ser humano que entregou toda a sua vida a uma causa? E ainda mais, o senhor doutor sabe muito bem quem deu ordens para o matar. Por quê nunca quis divulgar o autor ou autores desse crime?
- O senhor está a encostar-me à parede e não fosse um jornalista de tarimba que conhece Timor-Leste desde 1970... na verdade, nunca entendi a razão de alguém me querer pôr fora do processo. Ou não queriam que eu fosse primeiro-ministro ou Presidente da República, ou porque eu deixei de ser militante da Fretilin, ou de fazer frente com verdades que tinham de ser evitadas e que andavam a ser cometidas por certa gente influente, não sei, apenas fiquei com desconfianças. Quanto à questão que colocou de eu não divulgar quem me quis matar, obviamente que sei quem poderia ter sido o ordenante, mas sempre quis evitar as questiúnculas entre líderes políticos e só me preocupo com o povo, o qual vive ainda miseravelmente. Nunca divulgarei o que penso sobre essa matéria.
- Mostrou ser um homem de coragem depois de ser salvo num hospital australiano e regressar a Timor-Leste. Não teve receio que voltassem a atacá-lo?
- Não tive e sabe porquê? Porque o povo apoia-me e a todos os lugares no país onde eu vá sou recebido de braços abertos.
- Agora, ocupa o o cargo de Presidente da República com o apoio do primeiro-ministro Xanana. A vossa relação é boa?
- É sim, e muito cordial e eu só posso mover influências junto do governo para que a corrupção diminua e que cada vez se trabalhe mais em benefício do povo.
- Doutor Ramos-Horte, Timor-Leste assinou um acordo com a Austrália para a exploração do petróleo e do gás natural no Mar de Timor. São milhares de milhões de dólares que Timor-Leste recebe. Em vinte anos não o perturba que a situação do povo não melhore?
- Como sabe existe um Fundo onde é depositado esse dinheiro e há um controlo muito profícuo sobre o que se pode gastar. Mas penso que já se deveria ter feito muito mais em benefício do povo.
- O doutor Ramos-Horta foi nomeado por Oslo Prémio Nobel da Paz, a Indonésia não concordou que fosse apenas o senhor, e propôs que fosse também o ex-bispo Ximenes Belo. O senhor doutor não sabia já que o ex-bispo era um pedófilo que abusava de menores e que acabou por ser expulso da Igreja pelo Vaticano?
- Coloca-me um caso triste e difícil de responder. Se me permite não quero abordar esse tema.
- Concordo. Recentemente, tomou posição internacional contra os ditadores de Myanmar. O que poderá Timor-Leste influenciar nas atrocidades que naquele país são cometidas?
- O que eu disse tem a ver apenas com aquilo que para mim é sagrado, os direitos humanos, o que os ditadores de Myanmar estão a fazer é desumano e inconcebível. Já me revoltei contra o presidente do Tribunal Penal Internacional por não tomar qualquer medida quando a ONU tem uma posição idêntica a tudo o que eu defendo.
- No futuro, após terminar este mandato de Chefe de Estado, não vai escrever as suas memórias?
- Para lhe ser sincero a minha vida tem sido um livro aberto e divulgado na comunicação social. Talvez, escreva alguma coisa, mas o importante é estar em Timor-Leste movendo a influência de o povo ter uma vida melhor.
- Caro doutor José Ramos-Horta, o nosso almoço já vai no café de Timor e teremos de ficar por aqui. Só tenho a agradecer-lhe a disponibilidade.
- Muito obrigado e quem agradece sou eu. Boa sorte para si.
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