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Pau Para Toda a Obra

Um blog onde deixarei simples observações sobre o que vai acontecendo à nossa volta neste mundo global. Também serve de contacto com imensas pessoas que gostaram de mim.

Pau Para Toda a Obra

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leitura de interesse

Tudo é Tabu

João Eduardo Severino, 11.11.24

Tudo é Tabu, Pedro Correia.png 

Pedro Correia documenta neste Tudo É Tabu cem casos de censura, todos eles muito diversos e vários registados em Portugal

De súbito, somos inundados por novos interditos. Estamos sob vigilância permanente. Os patrulheiros andam aí, impondo um vasto caudal de proibições. Como se vivêssemos num rígido internato de paredes opacas onde a fuga à norma pode ser punida com a morte civil.

Nada de original na História do mundo: sempre houve severos limites à liberdade de expressão. Novidade absoluta é isto ocorrer hoje, em sociedades democráticas, no chamado mundo livre.

Não deixe de ler.

pinto da costa no caixão

João Eduardo Severino, 22.10.24

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Jorge Nuno Pinto da Costa escreveu um livro cuja capa o apresenta sentado à beira do seu caixão e com a bandeira do FC Porto por cima. Macabro, chocante e doentio. Oitenta por cento dos portistas disseram-lhe para ir à sua vidinha gastar o muito dinheiro que sacou ao clube em 42 anos. Pelo contrário, Pinto da Costa em vez de viajar para bons resorts com a sua companheira e gozar os últimos anos de vida, não, pôs-se a escrever um livro onde inacreditavelmente defende o "macaco" e a sua mulher. Então, o homem não pensa que os portistas também lhe disseram: "Pronto, vai à tua vidinha e não se fala mais no caso do 'Apito Dourado' que tanto manchou o bom nome do nosso clube".

Pinto da Costa inacreditavelmente salienta no livro quem não quer no seu funeral (isto não é doentio?) e obviamente refere-se, mesmo dando a entender, a André Villas-Boas. O homem deve viver com um ódio ignóbil ao Villas-Boas, esquecendo-se que o odiado é o presidente do seu clube e que merece o maior respito por várias razões, incluindo os muitos títulos que conquistou como treinador para glória do Futebol Clube do Porto.

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editora especial: grão-falar

João Eduardo Severino, 30.03.24

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Est tarde, foi apresentada a nova editora GRÃO-FALAR, na Casa do Comum, em Lisboa, da propriedade do jornalista e escritor Carlos Morais José.
A Grão-Falar é uma editora fundada em 2023, que se propõe traduzir e publicar os textos mais importantes de culturas não-europeias, que ainda não foram vertidos para língua portuguesa ou que não se encontram disponíveis no actual mercado livreiro.
Para este efeito, a Grão-Falar criou várias séries (Sínica, Índica, Pérsica, Pacífico, Africana), que acolherão esses volumes, proporcionando aos leitores de língua portuguesa um acesso directo, o que se revela fundamental para a dignificação e sobrevivência do Português. Devido ao facto de em Macau a Grão-Falar ter uma editora irmã, chamada Livro do Meio, cuja actividade remonta ao início deste século, numa primeira fase dispondo de um número considerável de traduções de textos chineses, cuja publicação foi já iniciada, em áreas como a poesia, pensamento e artes. A Grão-Falar edita também, trimestralmente, uma revista sobre a cultura chinesa, intitulada "Via do Meio".
Contudo, a Grão-Falar pretende alargar o seu escopo através das séries referidas, tendo já publicado, na Série Pacífico, o primeiro volume de uma "Antologia da Literatura Oral Timorense", recolhida na região de Oecusse, estando nos planos da editora prosseguir com a edição e publicação de outros volumes que condensam esse saber e essa arte do povo timorense.

eu li (17)

João Eduardo Severino, 13.12.23

Lila, 13 Dezembro.jpg

 

EU LI a obra de ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA, sob o título "Até ao Longínquo China Navegou...". Deste livro o extraordinário e saudoso poeta deixou-nos um marco histórico de literatura, que neste dia 13 de Dezembro, data do aniversário da minha querida e saudosa LILA, lhe dedico esta maravilhosa inspiração do autor.

CAMÕES E DINAMENE

ARGUMENTOS PARA UM BAILADO

"Até o longínquo China navegando",

Eis Camões em Macau; eis o poeta

Maior de Portugal, cantor da pátria

"Pelo mundo em pedaços repartida",

Ei-lo, na gruta que lhe herdou o nome, 

Compondo oitavas de heroísmo e espumas,

Quando lhe surge, súbito, entre as fragas, 

Um vulto de mulher: doçura e enleio,

Em formas orientais; delicadeza;

Um desenho a manequim, subtil e belo,

Num leque a abrir-se em seda branda e pálida.

Mulher ou deusa? Inspiração ou corpo?

Ele enlaça a visão, afaga-a, beija-a.

O sangue que lhe corre ao coração

É um "fogo que arde sem se ver",

Chama-lhe a sua Dinamene, a "ninfa

Gentil" destas paragens ardorosas.

Ela envolve-o de sonho e de desejo.

Leva-o, com ela, pelas praias; somem-se

Ambos pela espessura do arvoredo

Onde o amor mais íntimo se oculta

E se entrega entre lágrimas e risos.

Ela é a própria terra que se oferece

Ao ímpeto do abraço português,

Leal, fecundo, aventureiro e amante...

E ambos, um dia, partem deste idílio

A prosseguir o idílio noutras praias,

Noutro arvoredo generoso e ledo.

Fazem-se ao mar. Lá vão! Desfraldam velas

Que tempo de bonança! Mas o vento

De repente se volve furioso

E a onda encrespa, as velas esfarrapa, 

Decepa os mastros, despedaça o leme...

E fendida e sem rumo a nau naufraga

No pavor do imenso abismo aberto,

Separando, cruel, dois corações

Que pulsavam uníssonos e alto.

Uma vaga mais rápida e voraz

Logo arrebata Dinamene e foge, 

Com ela rola, rugidora... A ninfa

Debate-se, implora auxílio, acena

Ao vulto do amante que se esfuma,

Levado noutra vaga... E, num adeus,

O nome lhe murmura... e submerge!

E Camões? Ei-lo, vem erguendo o braço.

Na mão fechada, o canto que, molhado, 

Salva deste "naufrágio miserando".

Salvando a pátria, viva na epopeia, 

Morre-lhe o coração com Dinamene!

Na praia, entre destroços, suspirando,

Recorda aquele amor tão puro, e o pranto

Dita-lhe versos que a saudade escreve:

"Ai minha Dinamene! Assim deixaste

Quem nunca deixar pôde de querer-te?

Que já, ninfa gentil, não posso ver-te,

Que tão veloz a vida desprezaste?

Como por tempo eterno te apartaste

De quem tão longe andava de perder-te?

Puderam essas águas defender-te

Que não visses quem tanto magoaste?

Nem somente falar-te a dura morte

Me deixou, que, apressada, o negro manto

Lançar-se sobre os teus olhos consentiste.

Ó mar! Ó céu! Ó minha escura sorte!

Qual vida perderei que valha tanto

Que inda tenho por pouco viver triste?"

E, de bruços, na areia, soluçava,

Juntando, ao sal do mar, o sal das lágrimas,

No canto que apertava contra o peito

Como se fora a sua Dinamene.

E nas águas dos olhos, dir-se-ia

Ver, entre as ondas, aflorar a amada.

E a imaginação que o atormenta

Novos versos lhe dita, angustiados:

"Quando das minhas mágoas a comprida

Maginação os olhos me adormece, 

Em sonhos aquela alma me aparece

Que para mim foi sonho nesta vida.

Lá numa saudade, onde estendida

A vista por o campo desfalece,

Corro após ela; e ela então parece

Que mais de mim se alonga complicada.

Brado: Não me fujais, sombra benina.

Ela, os olhos em mim, em brando pejo,

Como quem diz que já não pode ser,

Torna a fugir-me. Torno e brado: Dina...

E antes que diga mene, acordo e vejo

Que nem um breve engano posso ter".

Ah, ainda viver, e o coração

Já morto e os olhos cegos para aquela

Alma sua, gentil, que se partira

Para os céus e na terra o deixa, triste!

Ah, porque não rogar a essa visão,

Em prece comovida, e a mais bela

Que a voz de um poeta há-de elevar jamais,

Que rogue a Deus piedoso o eterno encontro

De um só amor que uniu dois corações

Apartados tão cedo? E Camões reza:

"Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo deste corpo descontente, 

Repousa lá no céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste, 

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Algua cousa a dor que me ficou

da mágoa sem remédio de perder-te, 

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te

Quão cedo de meus olhos te levou".

Mas Deus recusa a morte a quem lha pede:

Há-de o poeta terminar o canto.

Se o não termina, Portugal é mudo.

E Deus deseja que esta pátria seja

A palavra do mundo. E Os Lusíadas

São a fonte e a raiz dessa palavra.

Então, Camões inclina a fronte e aceita

Mas, quanta vez, a sua Dinamene

Lhe aparece, nos sonhos, a inspirá-lo, 

A tomá-lo nos braços, a fastar-lhe

A espada das vitórias evocadas,

Fazendo a pena suspirar saudades.

Num breve instante lírico e dorido.

E é neste arroubo, neste encantamento,

Nesta ferida a sangrar que "não se sente",

No êxtase da musa e do poeta,

Que Camões vive o verso que compôs:

"Para tão grande amor, tão curta a vida"!

 

 

eu li (16)

João Eduardo Severino, 17.11.23

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EU LI a obra de FERNANDO NAMORA, sob o título "Estamos no Vento", e sublinho a seguinte passagem:

(...) Que olhos tem um homem de cinquenta anos para ver a nova face do mundo? Olhos passivos, imigrantes de um passado que não compreende como subsiste, olhos de fadiga. Ou ressentidos, o silêncio a velá-los, calados por um indefinido sentimento de culpa. Ou de uma estonteada e complacente curiosidade, de quem viaja por um universo alheio. Ou ferozes, querendo ignorar o que os novos parâmetros exigem, sentindo a mudança como uma agressão que lhes é dirigida, ferocidade que é medo do amanhã, o medo, afinal, que também se apercebe nos que se julgam ameaçados pela sobrevivência dos dias de ontem e o exprimem pela sanha com que tentam apressar o futuro. Nesses olhos pode arder ainda a euforia do renovo, a sedução do risco, o acerto com o tempo, pois um frutuoso meio de permanecer dinâmico é pôr-se em causa incessantemente, é o gosto de ir em diante agindo, já que o fazer modifica o ser, reconstruindo-o, reanimando-o. (...)

eu li (15)

João Eduardo Severino, 15.11.23

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EU LI a obra do excelente poeta ANTÓNIO MR MARTINS,  sob o título "Luz Numa Folha de Papel em Branco", da qual sublinho um poema que tem em absoluto a ver comigo.

Sentença do imaginário

Na ondulação

em que as águas

se revoltam

procuro encontrar

uma resposta

para o anseio que me espevita

 

há um sonho

inacabado

que em mim permanece

enquanto as nuvens

continuam passageiras

 

e eu

sonhador

aqui me quedo.

 

eu li (14)

João Eduardo Severino, 06.11.23

EU LI a obra "A Tia Julia e o Escrevedor" do grande escritor MARIO VARGAS LLOSA, e uma das passagens tem uma coincidência extraordinária com uma das fases da minha vida que me impressionou e que diz assim:

(...) Nesse tempo remoto, eu era muito jovem e vivia com os meus avós numa quinta de paredes brancas da Rua Ocharán, em Miraflores. Estudava em San Marcos, Direito, creio, resignado a mais tarde ganhar a vida com uma profissão liberal, ainda que, no fundo, tivesse gostado mais de chegar a ser um escritor. Tinha um trabalho de título pomposo, salário modesto, apropriações ilícitas e horário elástico: director de Informação da Ráfio Pan-Americana. Consistia em recortar as notícias interessantes que apareciam nos jornais e maquilhá-las um pouco para que fossem lidas nos noticiários. A redacção, sob as minhas ordens, era um rapaz de cabelo espastado e amante de catástrofes chamado Pascual. Havia noticiários de hora a hora, de um minuto cada, excepto os do meio-dia e das nove, que eram de quinze, mas nós preparávamos vários ao mesmo tempo, de modo que eu andava muito na rua, a tomar cafezinhos na Colmena, às vezes ia às aulas, ou então estava nos escritórios da Rádio Central, mais animados que os do meu trabalho. (...)

eu li (13)

João Eduardo Severino, 04.11.23

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EU LI a obra "Crónica de Uma Morte Anunciada", do grande escritor GABRIEL GARCÍA MARQUEZ e a dado passo este génio da escrita sublinhou:

(...) Durante anos não conseguimos falar de outra coisa. O nosso comportamento diário, até então dominado por tantos hábitos lineares, começara subitamente a girar a volta de uma mesma ansiedade comum. Surpreendiam-nos os galos do amanhecer quando tentávamos ordenar os inúmeros acontecimentos fortuitos encandeados que tinham tornado possível o absurdo, e era evidente que o não  fazíamos por um empenho de esclarecer mistérios, mas porque nenhum de nós podia continuar a viver sem saber exactamente qual o sítio e a missão que lhe designara a fatalidade. (...)

eu li (12)

João Eduardo Severino, 03.11.23

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EU LI a obra de VASCO PULIDO VALENTE, "Às Avessas", uma obra que todos deviam ler e recordo que a dado passo o autor dá uma lição a todos os diplomatas ou pseudo diplomatas, salientando:

(...) Duas das minhas maiores desilusões do 25 de Abril foram os espiões e os diplomatas. Achava a diplomacia uma actividade complexa e perigosa, para espíritos superiores, que decidiam o destino do mundo com frases sibilinas e silêncios clamorosos em jantares sob candelabros, enqunto seduziam condessas com boquilhas ou fascinavam efebos ambíguos. Os jornais e a literatura popular falavam sempre em "xadrez diplomático", imagem que me parecia inteiramente adequada.. Imaginava manobras subtis, movimentos brilhantes, visões esplendorosas perseguidas com pertinácia num labirinto de compromissos e dificuldades. Por detrás da diplomacia, estava a espionage. (...)

eu li (11)

João Eduardo Severino, 01.11.23

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A propósito da guerra entre Israel e o Hamas lembrei-me que EU LI o livro de CARLOS CAL BRANDÃO, "Fumo - Guerra em Timor", que durante a Segunda Guerra Mundial os japoneses mataram milhares de timorenses e portugueses, e que numa passagem diz assim:

(...) A atmosfera em Díli é irrespirável, soldados japoneses armados percorrem a cidade e arredores devastando todas as moradias. No porto vai grande movimento de navios, chegam mais tropas, parece não ser suficiente os seis mil que efectuaram o assalto. Querem mais quartéis, mais repartições vazias e, se não lhes cedem, assaltam, destroem sem respeito por símbolos ou pelo que seja. Andam irrascíveis por causa dos desaires que vão sofrendo na estrada de Nai-Suta. Tendo-se lançado à conquista do acampamento dos australianos, que já a esse tempo manobravam em guerrilha, caiem como tordos. Um camião, ao rodar sobre uma mina, fica estilhaçado no meio da estrada, enquanto duas metralhadoras vão abatendo os que procuram abrigo. Mais adiante, numa curva apertada e perigosa, uma granada de mão vem voando por detrás de um pedregulho, fazendo despenhar-se pela ravina o veículo atingido. Mais acima é um pontão dinamitado saltando pelos ares, provocando o pânico entre os ocupantes do carro que, uns  contaram que os casossegundos hesitantes em seus movimentos, são cortados por metralhadores peritos. Ao longe espalha-se o fumo negro, que sobe das piras crematórias em constante laboração. Aparecem soldados com as faces esmaltadas de pequenos retalhos de adesivo, cabeças e mãos entrapadas, mas sabe-se que não há mutilados de guerra. Os indígenas contam que os casos mais graves são lançados às chamas, de companhia com os mortos, e viram já alguns decepados arrastando-se para a fogueira. Não me repugna a acreditar, porque aquela gente é insensível à dor. A vida na cidade torna-se intolerável e, porque sou um operário sem trabalho, resolvo mudar-me para Punilala, a plantação de meus sogros, antes que seja morto pelos japoneses. (...)

eu li (10)

João Eduardo Severino, 31.10.23

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EU LI o livro que a minha filha Catarina me ofereceu num Dia do Pai, e onde escreveu uma dedicatória linda, "Alegria - A Felicidade Interior" do autor pensador OSHO, e a dado passo ficou-me uma passagem que ainda hoje penso imenso nela, especialmente quando amigos meus passam a conhecidos.

(...) Mesmo que você tenha o mundo aos seus pés e tenha deixado de ser quem é, mesmo que tenha conquistado todas as riquezas do mundo e tenha perdido o seu tesouro interior, o que fará com as suas riquezas? (...)

eu li (9)

João Eduardo Severino, 27.10.23

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EU LI a obra, do ano 2000, "Contos Vagabundos" de MÁRIO DE CARVALHO e uma certa passagem do livro fez-me lembrar tanta "boa" gente que conheço por aí e por algures.

(...)   Como de costume, à hora do almoça, Gilberto entrava no gabinete de Isabel, a directora de serviços, com papéis graves na mão, ávidos de boa ponderação e despacho, e logo fechava a porta à chave, atrás de si. Isabel recebia-o com um brando sorriso e indicava-lhe o grande sofá, forrado de napa castanha. 

O edifício estava vazio, zumbiam as moscas, o pessoal almoçava, e os dois amantes iniciavam o seu ritual, rápido, às vezes tumultuoso, sempre com o travo picante da transgressão e o risco de escandaloso processo disciplinar, no caso de serem reduzidos a auto os rumores que já circulavam em todo o departamento.

Gilberto tinha a suspeita insidiosa de que partilhava Isabel pelo menos com metade da população masculina ao norte do Tejo, e a consciência do carácter caprichoso e efémero daquela relação. Mas o que havia começado de um modo um tanto indiferente, descontraído e relaxado, absorvia-o neste momento por completo, com o sabor da passagem triunfal dos limites. Durante aquela hora em que prevaricavam, Isabel queimava pauzinhos de incenso, cujos vapores tinham depois de expulsar pela janela aberta, numa azáfama divertida e excitada. Pelo resto do dia, tratavam-se com um "senhor doutor", "senhora doutora", cerimonioso e distante, a propósito de assuntos de serviço. Ao fim da tarde, partia cada qual para seu cônjuge, na fila dos funcionários em regresso. (...)

eu li (8)

João Eduardo Severino, 26.10.23

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EU LI a obra "Um Americano na Corte do Rei Artur", de MARK TWAIN, de 2011, e ao recordar certa passagem do livro que aqui vos deixo, nada mais me parece idêntico ao conflito israelo-palestino:

CAVALEIROS DA TÁVOLA REDONDA

As conversações da Távola Redonda consistiam, de preferência, em narrações das aventuras em que haviam sido capturados aqueles prisioneiros, dando morte  aos seus amigos e defensores, despojando-os dos seus cavalos e armaduras. Geralmente (quanto pude inferir) etas sangrentas aventuras não eram hostiliddes travadas para vingar ofensas nem dirimir velhas disputas ou repentinas querelas. Não; em regra, tratava-se de duelos entre desconhecidos, contendas entre pessoas que jamais haviam sido apresentadas umas às outras e contra quem não havia o mínimo ressentimento.

Vi eu, mais de uma vez, um par de rapazes desconhecidos, que se encontravam por acaso, dizerem simultaneamente: "Eu penso vencer-te" e, acto contínuo, começarem a lutar. Mas até àqiele momento julguei, sempre, que essa espécie de conduta era coisa exclusiva de crianças, indício e marca de meninice; mas agora, estava na presença de entusiastas que praticavam o jogo com afinco e o seguiam orgulhosos ao chegar à maioridade e, ainda, depois. Havia, no entanto,  algo muito simpático nestas francas, sinceras, crescidas criaturas; algo que atraía e encantava. Não parecia que em todo aquele albergue de crianças hovesse bastante massa cinzenta, como se costuma dizer, para utilizar como isca num anzol. Mas isto não tinha importância, logo se percebia não ser necessário ter cérebro numa sociedad como aquela, e, até ser possível que o cértebro se tivesse embotado, entorpecendo e destruindo a sua simetria, tornando, talvez, a sua existência. (...)

eu li (7)

João Eduardo Severino, 25.10.23

EU LI um dos muitos textos e livros que guardo de ANTÓNIO LOBO ANTUNES. Um desses textos que o grande escritor publicou em 2004 no 'Diário de Notícias', diz assim:

A Vaidade e a Inveja Desaparecem com a Idade

Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: «Quanto é que ele deixou?» O advogado respondeu: «Deixou tudo.» Ninguém é mais pobre do que os mortos.


eu li (6)

João Eduardo Severino, 24.10.23

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EU LI a obra "NELSON MANDELA, Arquivo Íntimo" e a dado passo impressiona:

(...) A minha mulher tem estado na prisão por diversas vezes e não só conhece bem as regras prisionais mais relevantes como também conhece a sensibilidade dos seus oficiais locais em relação a tudo aquilo a que possam levantar objecções. Ela faz um esforço para se cingir a assuntos de família, e mesmo assim é rara a carta dela que não é objecto de mutilação.

No dia 24 de Novembro de 1975 ela escreveu-me uma carta de cinco páginas e apenas chegaram às minhas mãos fragmentos de duas páginas. A política de censura adoptada aqui não é seguida nem mesmo em Kronstad. Algumas das cartas que me enviou foram expedidas pelo comandante dessa prisão mas acabaram por ser fortemente censuradas aqui. (...)

eu li (5)

João Eduardo Severino, 23.10.23

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EU LI o livro de PEDRO BARROSO, "Diários da Brevidade" e a dado passo o saudoso escritor/cantor deixou-nos este belo texto:

O CIRCO

O circo montou-se no coração da feira.

Leões agitados rugem de notícia na chama do sepulcro.

Não sei se gosto de tanta notícia.

Submerso-me em raiva e dor, fico aqui quieto e cansado, como se também a mim me falta o ar doutra urbanidade.

Luto há uma vida pela utopia; pela sociedade maior adulta e sensível. Que sempre me impus, nem sempre consegui, mas sempre sonhei. E contudo caio aos pés destes carrossel violento e desumano de urgências e perplexidades.

Generoso sempre, o povo paga a operadoras que não manifestam a mínima condescendência e levam dez por cento, ou mais, da esmola colectiva.

Operacionais de opereta - uns mais, outros menos competentes - incham-se e tornam-se súbitas vedetas de mercado.

Mendiga-se um plano que seja pleno e trágico.

Mata-se em prime-time, usando o drama alheio e a sua cobertura. Não a que nos cai em cima da alma e do véu de cinzas.

A outra.

A do mediatismo e da circunstância. Decidida a ser vencedora de audiências.

Tanta ajuda e os lutadores, afinal, dormem no chão - ali mesmo, ao pé desta valeta sem sentido em que se transformou a vida.

Porto Ferreira não temos.

Mas foi você que pediu um bombeiro exausto no cálice do fogo?

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eu li (4)

João Eduardo Severino, 22.10.23

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EU LI o excepcional livro do professor catedrático australiano Kenneth Gordon McIntyre, sob o título "A Descoberta Secreta da Austrália", publicado em 1989 pela Fundação Oriente, e no qual há uma passagem de grande significado para os portugueses, que diz assim:

(...) Em 1976, a bandeira portuguesa foi arriada pela última vez em Timor. De 1516 a 1976 ao longo de 460 anos, Portugal mantivera uma colónia nessa ilha, provavelmente a mais duradoura que um país europeu manteve no ultramar de forma contínua. Registos deste género só por si não nos interessam. Porém, esta inesperada circunstância realça um facto importante e pouco reconhecido - que durante 460 anos houve uma contínua e organizada administração portuguesa nesta ilha, mesmo ao pé da Austrália, com apenas 285 milhas de mar a separá-lo da costa australiana. John Barrow, o eminente secretário administrativo do Almirantado britânico escreveu: " Da vizinha ilha de Timor não é senão um passo até à parte norte da Nova Holanda"; e quando a Austrália doi redescoberta pelos holandeses e ingleses não era (como tantos o imaginam) um misterioso continente, incrivelmente distante dos mais próximos focos de seres civilizados; estava, pelo contrário, nas palavras de Barrow, "apenas a um passo" de uma bem estabelecida colónia portuguesa. Quando Cook navegou na costa oriental, já os colonos portugueses estavam em Timor há 250 anos - há mais tempo do que os ingleses estão na Austrália, na altura em que escrevo este livro. Mesmo quando o primeiro avistamento holandês se registou, em 1606, os portugueses já lá estavam há 90 anos. (...)

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João Eduardo Severino, 21.10.23

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EU LI a obra "Camilo Pessanha, Prosador e Tradutor" e a dado passo o grande escritor ofereceu-nos esta passagem:

(...) A minha vizinha do andar de cima... Muitas vezes, enquanto eu, de devaneio em devaneio e de cigarro em cigarro, me debatia contra o narcótico das lições de civil, comovia-me aquela melopeia.

Quem tem meninos pequenos...,

cujas notas - ó, ó - caíam pesadas, como lágrimas. E, insistente, continuava a ouvir a Sofia, que cantarolava, o pequerrucho, que vagia, e o berço, que distanciava pacientemente os mesmos compassos de encontro ao sobrado do quarto dela e forro do meu quarto.

Cativou-me sempre este acalentar dos berços, como o arrulhar das rolas. Não sei que saudade indistinta me traz da minha infância, quando se ergue, num luzir de esperança, por entre as tempestades ou as privações domésticas, dolente, modesto, resignado, heróico. E prende-me mais, não sei porquê: também o arrulhar das rolas me parece mais meigo quando chora, em uma réstea de sol, das moitas de carvalheiras que as chuvas recentes da Primavera conservam molhadas. (...)

eu li (2)

João Eduardo Severino, 20.10.23

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EU LI o livro de Pedro Correia, "Presidenciáveis" e entre os possíveis candidatos a Presidente da República, o escritor salientou, em 2015, sobre Rui Moreira:

"E porque não um candidato do Norte?

Um candidato com imagem de empreendedor, bem falante, habituado a emitir opiniões sem papas na língua, conhecedor das técnicas mediáticas e capaz de agregar apoios dos mais diversos quadrantes.

Um candidato de 59 anos, capaz de combinar a mais saudável faceta do bairrismo com uma irrepreensível dimensão cosmopolita.

O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui de Carvalho de Araújo Moreira, não teria certamente dificuldades de lançar uma candidatura a Belém."

eu li (1)

João Eduardo Severino, 19.10.23

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EU LI no livro de Frederico Duarte Carvalho, "As Conspirações Que Mudaram o Mundo", algo que dá início a esta rubrica dedicada ao que tenho lido e vou lendo.

(...) Não há homens providenciais. Não existe um messias, porque o poder de fazer o bem encontra-se dentro de todos nós. Saibamos apenas reconhecermo-nos uns aos outros para nos ajudarmos, em sociedade, a alcançar esse bem e a terminar com as conspirações.